O movimento negro cobra o reconhecimento do legado da escravidão e propõe, por meio de seu Manifesto Econômico, medidas como a criação de um fundo, redução da taxa de juros e taxação de grandes fortunas, visando reverter a situação de pobreza que afeta cerca de 60 milhões de mulheres negras no país.
© Fernando Frazão/Agência Brasil
Ativistas e lideranças do movimento negro defendem que o Brasil avance na agenda de reparação econômica e social como forma de combater a desigualdade histórica resultante de quase 400 anos de escravidão. O tema será central na 2ª Marcha de Mulheres Negras, realizada nesta terça-feira (25) em Brasília.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres negras somam quase 60 milhões de pessoas no país, representando uma em cada três brasileiras e o grupo populacional mais afetado pela pobreza e pela falta de acesso a direitos básicos, como terra, moradia e saúde.
Manifesto Econômico detalha propostas de reparação
A administradora e articuladora do movimento negro Ruth Pinheiro avalia que a reparação exige, primeiramente, o reconhecimento nacional da necessidade de políticas públicas específicas. “A sociedade precisa entender a reparação com um direito, compreendendo o contexto e o motivo de pessoas negras ainda serem maioria nas favelas, na prostituição e no tráfico”, afirmou a ativista.
Para detalhar as demandas, a marcha lançou o Manifesto Econômico, com propostas distribuídas em sete eixos, incluindo:
Criação de um fundo para reparação.
Taxação de grandes fortunas.
Redução da taxa de juros.
Blindagem do orçamento social.
Reformas agrária e urbana.
Linhas de crédito e ações afirmativas em empresas que prestam serviços à administração pública.
Simone Nascimento, coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU), reforça que políticas de reversão de indicadores são urgentes para fazer justiça. “Elas [mulheres negras] são as maiores vítimas da limitação ao aborto legal, feminicídio, pobreza, ausência de moradia, recebem os piores salários”, pontua.
Racismo religioso e saúde materna
Outros segmentos do movimento negro também cobram reparação. Mãe Nilce de Iansã, do Ilê Omolu Oxum e coordenadora nacional da Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (Renafro), denunciou o racismo religioso.
Ela citou casos de violência como a entrada armada da Polícia Militar em uma escola de São Paulo após uma criança desenhar a orixá Iansã e lembrou o apedrejamento da menina Kayllane em 2015.
Mãe Nilce destacou ainda a luta para evitar mortes maternas por causas evitáveis, que têm as mulheres pretas como a maioria das vítimas.
O segmento LGBTQIA+ também atua na marcha, com Bruna Ravena, do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), defendendo políticas públicas para garantir dignidade, saúde e trabalho para mulheres negras trans.
PEC no Congresso busca fundo de R$ 20 bilhões
A discussão sobre a reparação, que segundo Ruth Pinheiro está estagnada no Brasil há 30 anos, avançou em outros países. Em 2023, o jornal britânico The Guardian, por exemplo, pediu desculpas pelo envolvimento de seus fundadores com a escravidão e anunciou uma programação de reparação financeira.
No Brasil, tramita a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 27/24 no Congresso Nacional, que prevê a criação de um fundo nacional de reparação com capacidade de captar até R$ 20 bilhões. A proposta prevê um aporte inicial de R$ 1 bilhão do orçamento da União e seria administrado por um banco público.
O mecanismo aguarda contribuições de instituições, como o Banco do Brasil, que, conforme denúncia do Ministério Público Federal, se beneficiou do tráfico transatlântico de escravizados.
Por Isabela Vieira - Repórter da Agência Brasil - 20
da redação FM