Justiça fiscal e o impacto da tributação sobre a realidade econômica das mulheres negras no Brasil

Justiça fiscal e o impacto da tributação sobre a realidade econômica das mulheres negras no Brasil

 

       Foto: Valter Campanato/Agência Brasil/Reprodução


Porto Velho, Rondônia - A estrutura tributária brasileira, marcada por um modelo regressivo de arrecadação, tem acentuado desigualdades históricas e sociais, afetando de maneira mais severa as mulheres negras. Essa realidade foi pauta central do painel “Justiça Fiscal e Reparação para Mulheres Negras”, realizado nesta semana no Festival Latinidades 2025, no Museu Nacional, em Brasília.

Durante o debate, Eliane Barbosa, professora e pesquisadora especializada em justiça fiscal, destacou que as mulheres negras estão entre as mais penalizadas pelo sistema de arrecadação atual, que tributa pesadamente o consumo — principal meio de arrecadação no país — e alivia a carga sobre grandes patrimônios e rendas elevadas.

“Quando se fala em salário, é preciso considerar o valor nominal e o valor efetivo. Para muitas mulheres negras, o salário não é apenas o que se recebe — é o que sustenta uma rede inteira de sobrevivência familiar”, afirmou Barbosa.

Segundo dados apresentados pela pesquisadora, os 10% mais pobres do país comprometem cerca de 30% da sua renda com impostos sobre o consumo, como os incidentes sobre alimentos, gás de cozinha, transporte e produtos de higiene. Em contraste, os 10% mais ricos gastam apenas 10% da renda com esse tipo de tributo, evidenciando uma lógica inversa à proposta constitucional de justiça fiscal.

Princípio constitucional e a desigualdade estrutural

A Constituição Federal de 1988 determina que a tributação brasileira deve respeitar a capacidade econômica de cada contribuinte, conforme previsto no Artigo 145, §1º:

“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária [...] identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, a renda e as atividades econômicas do contribuinte.”

Contudo, a prática cotidiana revela que esse princípio tem sido sistematicamente ignorado, gerando o que Barbosa chama de “injustiça fiscal institucionalizada”. Para ela, medidas pontuais, como a isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil, não são suficientes.

“É preciso uma reforma tributária ampla, que considere não apenas a renda declarada, mas também os privilégios históricos, o racismo estrutural e a desigualdade de origem”, completou.

Isenções e violência fiscal

socióloga Roseli Bezerra, também participante do painel, abordou o impacto das isenções fiscais concedidas a grandes empresas, especialmente no setor mineral. Para ela, a lógica de privilegiar corporações com incentivos fiscais em detrimento da população vulnerável configura uma forma de “violência fiscal”.

“Enquanto essas corporações desfrutam de isenções significativas, vemos mulheres negras vivendo abaixo da linha da pobreza, com renda insuficiente até para garantir o básico. Isso é uma negação sistemática de direitos”, destacou Bezerra.

A socióloga ressaltou ainda a disparidade entre a riqueza extraída de regiões como a Amazônia Legal e a precariedade das políticas públicas nas comunidades locais. Em sua avaliação, não é possível discutir justiça fiscal sem considerar as intersecções de raça, gênero e território.

Propostas para um novo pacto social

As especialistas defendem uma tributação mais progressiva, que onere mais os que têm maior capacidade contributiva e alivie os tributos incidentes sobre consumo e renda básica. Essa redistribuição, segundo elas, não só fortalece o pacto federativo, como permite a ampliação de políticas públicas voltadas para educação, saúde, mobilidade, segurança alimentar e redução das desigualdades.

“A justiça fiscal é um instrumento de reparação histórica. Um sistema tributário justo pode e deve financiar as bases de um país mais igualitário”, concluiu Eliane Barbosa.

Festival Latinidades 2025

Festival Latinidades, considerado o maior evento de mulheres negras da América Latina, segue até sábado, com programação diversificada que inclui painéis temáticos, exposições, feira de empreendedoras, apresentações artísticas e shows. O debate sobre justiça fiscal contou ainda com a participação da antropóloga Carmela Zigone e da jornalista Andressa Franco, ampliando o olhar sobre os desafios enfrentados pelas mulheres negras na luta por equidade econômica e social.


da redação FM

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