Interpretação recente da Lei do Inquilinato mostra que atraso de até 3 meses não gera despejo imediato, devido a prazos processuais e direito de purgar a mora.
A Lei nº 8.245/1991, conhecida como Lei do Inquilinato, sempre permitiu que o proprietário ajuizasse ação de despejo por falta de pagamento logo após o primeiro mês de atraso. No entanto, decisões recentes de tribunais estaduais e a própria dinâmica processual têm mostrado que, na prática, o despejo raramente ocorre de forma imediata, mesmo quando o inquilino acumula dois ou três meses de inadimplência.
Embora não exista uma lei dizendo que o inquilino pode atrasar três meses, o que está acontecendo é um conjunto de fatores jurídicos e procedimentais que, combinados, criam uma janela de tempo que impede a desocupação instantânea. Essa interpretação ganhou força em 2023, 2024 e 2025, diante da judicialização crescente das relações locatícias e da necessidade de proteger famílias em situação de vulnerabilidade.
A seguir, uma análise técnica baseada em decisões reais e no funcionamento efetivo da Lei do Inquilinato.
A lei permite despejo imediato? Sim. Mas a Justiça cria etapas que retardam a saída
A Lei do Inquilinato autoriza o despejo por falta de pagamento logo após o atraso e prevê, em seu artigo 59, a possibilidade de despejo liminar em 15 dias, desde que:
- o contrato não tenha garantia (fiador, caução ou seguro-fiança);
- o proprietário deposite uma caução equivalente a três meses de aluguel.
Essa é a teoria.
Na prática, porém, a liminar não é automática. E, na maior parte dos casos, os contratos possuem garantia, o que impede o despejo liminar.
Por isso, o caminho adotado pelos tribunais acaba sendo o procedimento comum, que segue etapas definidas e protegidas pela lei, criando uma “tolerância processual” que faz com que o inquilino não seja retirado imediatamente quando acumula dois ou três meses de atraso.
O que acontece na prática quando o inquilino atrasa o pagamento
A experiência consolidada entre advogados, juízes e tribunais estaduais mostra que o despejo por inadimplência segue um fluxo previsível:
Proprietário aciona a Justiça após 1, 2 ou 3 meses de atraso
A lei não exige prazo mínimo.
Mas muitos locadores só ajuízam a ação após 60 ou 90 dias sem pagamento — prática comum no mercado.
O juiz determina a citação do inquilino
Esse processo pode levar:
- 15 a 45 dias com oficial de justiça;
- ou mais, se houver dificuldade de localização.
Após ser citado, o inquilino tem 15 dias para “purgar a mora”
Esse é o ponto central da recente interpretação:
A Lei do Inquilinato dá ao inquilino o direito de pagar a dívida em até 15 dias após a citação e evitar o despejo.
Ou seja: mesmo após meses de atraso, o inquilino pode quitar o débito e permanecer no imóvel.
Se a dívida não for paga, o processo ainda segue com fases obrigatórias
Mesmo após perder o prazo de purgar a mora, o inquilino não é retirado imediatamente.
Ainda são necessárias:
- decisão final de despejo;
- emissão do mandado;
- cumprimento pelo oficial de justiça;
- prazo de desocupação voluntária.
Esse ciclo costuma levar de 60 a 120 dias — exatamente o que consolidou a “janela” de cerca de três meses.
Por que muitos tribunais falam na prática dos “3 meses sem despejo imediato”?
Advogados e desembargadores explicam que:
- a citação pode demorar até 60 dias;
- depois disso, o inquilino tem 15 dias de direito legal para pagar;
- então vem o tempo de tramitação até a ordem final de despejo.
Somados, esses prazos ultrapassam 90 dias na maior parte dos casos.
Isso gerou um entendimento prático, refletido em artigos, decisões e interpretações:
mesmo com inadimplência de 2 a 3 meses, não há despejo imediato porque o inquilino ainda não teve direito pleno de defesa e de purgação da mora.
Assim, formou-se a ideia de uma “brecha processual”, ainda que o termo não apareça no texto da lei.
Há decisões recentes que confirmam essa dinâmica? Sim
Embora não exista um acórdão estabelecendo formalmente “prazo de 3 meses”, há diversas decisões reconhecendo:
- a impossibilidade de despejo sem citação e sem chance de purgação;
- a necessidade de respeitar o contraditório;
- a proteção a famílias em vulnerabilidade;
- a suspensão de liminares quando há risco social profundo.
Além disso, tribunais como TJ/SP, TJ/MG e TJ/RS têm reiterado que o despejo liminar só cabe em contratos sem garantia, o que automaticamente descarta a hipótese para a grande maioria das locações residenciais atuais.
Então o inquilino pode atrasar 3 meses sem risco? Não. Mas também não será despejado imediatamente
A conclusão dos especialistas é a seguinte:
- não existe lei permitindo 3 meses de atraso;
- não existe garantia de que o inquilino não será acionado rapidamente;
- existe, sim, uma dinâmica jurídica que impede despejo imediato, criando esse intervalo de três meses na maior parte dos casos.
Em outras palavras:
o risco existe, mas o despejo não é instantâneo.
O que locadores e inquilinos precisam saber em 2025
Para locadores
- A liminar só é possível sem garantia contratual.
- Mesmo assim, exige depósito de três meses.
- O processo é mais lento do que se imagina.
- Notificações extrajudiciais ajudam, mas não substituem o processo.
Para inquilinos
- O atraso não garante permanência, mas garante tempo para negociar.
- A purgação da mora é um direito fundamental.
- O juiz pode flexibilizar prazos em casos humanitários.
- Transparência e negociação reduzem riscos.
A lei não mudou, mas a prática mudou
A Lei do Inquilinato permanece a mesma, mas a dinâmica real das decisões judiciais e a estrutura processual criaram um cenário em que despejos imediatos se tornaram raros — especialmente diante de atrasos de até três meses.
O que emerge é um entendimento mais equilibrado, que:
- preserva o direito do locador;
- protege o inquilino de remoções abruptas;
- e garante prazos mínimos para defesa, pagamento e negociação.
A tendência vista em tribunais pelo país indica que essa interpretação deve se manter e até se fortalecer nos próximos anos.
