Escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para integrar o Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Flávio Dino (Justiça) deu início ontem à maratona de visitas aos senadores e esbarrou nas primeiras resistências da oposição. A despeito da tentativa de passar por todos os gabinetes até 13 de dezembro, data da sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), parlamentares aliados de Jair Bolsonaro adiantaram que sequer vão receber o indicado à Corte e, em outra frente, um grupo de evangélicos deu largada em uma campanha contra a nomeação.

Na tentativa de vencer esse antagonismo, Dino pretende conversar com os oposicionistas e apresentar figurino menos político e mais “jurista”. O ministro da Justiça viveu embates com a oposição durante todo o governo, principalmente em função do 8 de Janeiro, o que lhe rendeu uma série de convocações para prestar esclarecimentos no Congresso. Senador licenciado, ontem disse que todos os integrantes da Casa são seus “colegas”.

Veja nomes resistentes a Flávio Dino — Foto: Editoria de Arte

Uma vez indicado por Lula, ele precisa do aval do Senado para tomar posse. Caso chegue à Corte, há a expectativa de como irá se poscionar em ações relacionados aos seus atuais aliados e adversários políticos. Especialistas defendem que Dino se declare impedido se herdar ações contra Bolsonaro ou o governo de Lula.

Portas Fechadas

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que é integrante da CCJ e já declarou voto contra, disse acreditar que Dino nem entrará em contato com ele. Relator da indicação e aliado do titular da Justiça, o senador Weverton (PDT-MA) afirmou que tentará intermediar este encontro.

— Ele (Dino) já sabe qual é meu voto, não vai me procurar — afirmou Flávio ao GLOBO.

Outros senadores do mesmo bloco também resistem a uma reunião. Jorge Seif (PL-SC), que foi secretário da Pesca de Bolsonaro, disse que, se Dino procurá-lo, será “perda de tempo para os dois”. Eduardo Girão (Novo-CE) afirmou que a indicação foi “um nome pesado em um momento de pacificação”. Já Cleitinho (Republicanos-MG) acrescentou que a eventual visita é “desnecessária”:

— Já me manifestei publicamente contra a indicação. Seria melhor ao indicado concentrar seus esforços naqueles que ainda estão indecisos.

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que foi sondada por aliados de Dino para um encontro, afirmou que conversaria com ele “de senadora para senador”, mas que não pretende falar sobre seu voto, já que está convicta da posição contrária à sua indicação. O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), por sua vez, teria aceitado conversar com o ministro da Justiça, segundo aliados de Dino. Procurado, Mourão não respondeu sobre o convite.

Em paralelo, uma ala da bancada evangélica vai tentar dificultar a chegada de Dino à Corte. O ministro da Justiça é chamado de “radical” e até de “comunista”.

— Com Dino, o diálogo é impossível. Vamos fazer campanha contra ele — disse o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), ex-presidente da Frente Parlamentar Evangélica.

O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, afirmou que vai “jogar pesadíssimo”.

— Coitado do deputado ou senador evangélico que faça graça para ele, não vai conseguir se eleger nem síndico de prédio — diz o líder religioso, que afirma que a indicação de Dino é “diametralmente oposta” à de Cristiano Zanin, também indicado por Lula, mas que teve o apoio da bancada.

Para vencer a barreira entre os evangélicos, Dino conta com a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), aliada e também integrante da frente religiosa. Além disso, o indicado de Lula já promoveu um ajuste no discurso e afirmou que, ao mudar de função, muda também o perfil de atuação:

— O perfil combativo é próprio da política. Eu não conheço nenhum político que não seja combativo. No momento em que o presidente Lula faz a indicação, evidentemente que eu mudo a roupa que eu visto. E essa roupa hoje é em busca desse apoio do Senado. A roupa que, se eu merecer essa aprovação, eu vestirei sempre, independe de governo e oposição — disse Dino.

Se Dino chegar ao STF, especialistas defendem que ele se declare impedido em processos de Bolsonaro ou vinculados à gestão Lula. Um dos casos contra o ex-presidente trata de declaração em que ele relacionou a vacina contra a Covid-19 ao vírus da Aids. Dino chamou Bolsonaro de “serial killer” devido à condução da pandemia.

Por posicionamentos como esse, a defesa do ex-presidente pode pedir o impedimento de Dino. É a avaliação de Berlinque Cantelmo, advogado especialista em ciências criminais:

— Resta saber se as opiniões dadas por ele até então são diretamente ligadas ao bojo das acusações ou não.

Quanto à atual gestão, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, é acusado de desviar dinheiro público por meio de emendas destinadas a obras da Codevasf, por exemplo. A investigação está a cargo da Polícia Federal, vinculada ao Ministério da Justiça. Nesse caso, para especialistas a melhor conduta seria o próprio ministro se declarar suspeito no STF.

— Caso algum julgamento possa despertar uma sensibilidade maior da sociedade e das instituições, provavelmente, o interesse da Corte falará mais alto e o próprio ministro deverá se declarar suspeito — diz o professor de direito constitucional da UFRJ Fernando Bentes.

Governistas acreditam que ele já tem votos suficientes tanto na CCJ, onde precisa de ao menos 14, como no plenário, onde tem de chegar a 41. No entanto, com a rejeição do indicado de Lula para a Defensoria Pública da União, o conselho dado a Dino pelo próprio presidente foi o de buscar todos os votos.

Elogios de Lula

Dino iniciou o dia com uma visita ao vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) viajou com Lula na comitiva que irá à COP 28, nos Emirados Árabes. O ministro chegou ao Congresso com Weverton, que já adiantou que dará parecer favorável à aprovação.

Dino já havia começado a articulação na terça-feira, quando marcou reunião com a bancada do PSD e jantou com lideranças da base.

Ontem, Lula elogiou Dino e o subprocurador-geral Paulo Gonet, indicado à Procuradoria-Geral da República.

— Indiquei os dois porque entendi que eram as melhores pessoas. Espero que o Senado estude, analise e faça o debate que tiver que fazer. São duas pessoas altamente qualificadas, tanto na Suprema Corte quanto na PGR. (Colaborou Alice Cravo)


Fonte: O GLOBO