Philippe Gerwill virá ao Brasil para participar do Afya Summit
O diagnóstico é de Philippe Gerwill, futurista da saúde francês que virá ao Brasil para participar do Afya Summit, evento promovido pela companhia de educação médica Afya, no próximo dia 28 de agosto, no hotel Unique, em São Paulo.
— Para mim, todo o sistema de saúde está doente. Então, adotar tecnologias para lidar com isso é inevitável — disse Gerwill, em entrevista por videoconferência. — A questão não é opor a IA aos médicos, mas é “IA para médicos”. Ela é uma ferramenta.
Baseado na Suíça, o futurista fez carreira nos setores farmacêutico e de saúde em companhias como a Novartis e hoje atua como conselheiro executivo e consultor de startups médicas, como Aimedis (metaverso de saúde) e My Anna Health (IA de saúde da mulher).
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Quais tendências o senhor vem observando na saúde e sobre as quais falará no Brasil?
Quero abordar principalmente o uso de inteligência artificial (IA) na área da saúde, mas também sobre tendências como o metaverso e até blockchain. Não blockchain pela ótica da criptomoeda, mas pelos atributos de segurança, rastreabilidade e imutabilidade que podem ser importantes para a saúde. Há oportunidades também em NFTs, se pensarmos em como recompensar o paciente pelo compartilhamento de dados de saúde, por exemplo. Mas, mais do que promover a tecnologia, é sobre como usá-la para resolver problemas na saúde, que, infelizmente, são muitos e afetam o mundo todo.
Quais?
Temos enormes problemas de acessibilidade. Mesmo em países com quantidade razoável de médicos, como o Brasil, eles estão concentrados em determinadas regiões. Não temos médicos suficientes, estamos envelhecendo e nem sempre de forma saudável. A tecnologia pode ajudar nisso. É claro que existem riscos e desafios, mas eles também estão presentes quando não usamos as tecnologias. Para mim, todo o sistema de saúde está doente, então adotar tecnologias para lidar com isso é inevitável.
Como?
Nos EUA e em países da Europa, 30% dos estudantes de medicina acabam não se tornando médicos. Entre as principais razões está a burocracia envolvida no trabalho. Você não estuda anos para se tornar um médico e acaba preenchendo papelada. Em muitos países, os médicos passam 70% do tempo da consulta olhando para uma tela, não para o paciente. Os médicos estão virando verdadeiros robôs. A IA pode libertá-los de parte dessas tarefas para que eles possam voltar a olhar os pacientes nos olhos. E ainda há uma segunda razão.
Qual?
Nos EUA, por exemplo, a terceira causa de morte é o erro médico. Não quero culpá-los, pois eles trabalham duro, mas a IA inclui automação e robótica, ferramentas que podem ajudá-los a reduzir erros. Então, a questão não é opor a IA aos médicos, mas sim “IA para médicos”. Ela é uma ferramenta. Há alguns anos, escrevi um artigo em que dizia que a IA seria o novo estetoscópio dos médicos. Infelizmente, ainda não chegamos lá, mas encará-la como uma ferramenta é o caminho.
Ok, mas como lidar com os inúmeros problemas e erros associados à IA?
Quando falamos de IA generativa, a chamada “alucinação” (respostas erradas) e os vieses ainda são um desafio. Mas, de novo, não se esqueça de que já lidamos com um enorme problema de erro humano, e há um caminho para melhorar o treinamento das ferramentas de IA.
Qual é o melhor método?
Eu faço parte da startup My Anna Health, que criou uma espécie de “Médico IA” para a saúde das mulheres. O que eles fizeram foi carregar mais de 280 mil publicações médicas de alta qualidade no modelo, mas tudo supervisionado por uma equipe de 70 médicos. Isso evita as falhas da IA. E eu não conheço nenhum ginecologista no mundo que tenha 280 mil publicações na cabeça.
Mas uma IA com essa especificidade de treinamento pode substituir o médico?
É claro que há quem especule sobre a chegada da chamada “inteligência artificial geral”, capaz de substituir inteiramente o profissional humano. Eu não vou tão longe, sobretudo quando falo de saúde, embora, claro, isso possa acontecer um dia. O que eu ressalto é que há uma grande necessidade de liberar os profissionais da saúde da parte do trabalho que não é médica. É usar a IA para tarefas simples e burocráticas, para que os profissionais da saúde possam agregar um valor real com seu trabalho.
Mas há um caminho para o paciente interagir com a IA?
Sim, e isso também pode ajudar a aumentar o acesso, embora seja preciso observar que há uma grande disparidade no acesso à internet e à tecnologia. É como no exemplo da My Anna Health que mencionei. Muitas mulheres, por questões culturais ou mesmo de acesso, podem se sentir mais confortáveis em conversar com um médico baseado em IA do que com um ginecologista. E, a bem da verdade, já vi muitos médicos pesquisando no Google na minha frente, e não há nada de errado com isso. Eu não quero fomentar uma batalha entre IA e médicos, mas entre não ter médicos e ter um médico ChatGPT, Mistral ou qualquer outro tipo, é melhor ter essa opção. A IA também pode ser fundamental para ajudar a encontrar o melhor especialista mais próximo de você.
Mas como regular isso?
É um tópico enorme, como tudo que envolve regulamentação e ética, e ainda não há respostas finais. Mas estou convencido de que você não pode regular essa nova tecnologia da maneira antiga. Os reguladores têm que encontrar uma maneira para que as regras acompanhem a velocidade com que a tecnologia evolui.
Fonte: O GLOBO
da redação FM Alô Rondônia