Governo federal decide cortar verbas de comunidades terapêuticas para dependentes químicos

Governo federal decide cortar verbas de comunidades terapêuticas para dependentes químicos

 

             Resolução publicada nesta semana estabelece que inscrições destas entidades devem ser canceladas no prazo de 90 dias por Executivos estaduais e prefeituras


Porto Velho, Rondônia - O Conselho Nacional de Assistência Social, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), decidiu não reconhecer comunidades terapêuticas como organizações sociais em resolução publicada na última quarta-feira no Diário Oficial da União. Dessa forma, essas entidades não poderão mais ser financiadas com recursos públicos destinados à área.

O documento estabelece que as comunidades terapêuticas não cumprem com os requisitos para atuar no Suas (Sistema Único de Assistência Social) e que, por isso, as inscrições destas entidades devem ser canceladas no prazo de 90 dias por governos estaduais e prefeituras.

Em agosto do ano passado, mais de cem associações de saúde mental e de militância antimanicomial — que formaram a delegação da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental — escreveram uma carta-manifesto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O grupo cobrou mudanças na política de saúde mental da atual gestão, que mantinha o financiamento a comunidades terapêuticas, modelo defendido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas criticado por psiquiatras, que apontam ineficácia do tratamento e violações de direitos. Como noticiou o GLOBO, o MDS financiava à época 14.948 vagas junto a 602 entidades do país.

Uma pesquisa do Ipea realizada em 2017 apontou que 82% das entidades afirmaram ter ligação com igrejas e organizações religiosas — sendo 40% pentecostais e 27% católicas. A leitura da Bíblia era uma atividade diária obrigatória em 89% das comunidades, enquanto a prática de oração e a participação em cerimônias religiosas era dever em 88%.

Investimento federal

A contratação pelo governo federal de vagas em comunidades terapêuticas — normalmente espaços distantes dos centros urbanos e que se baseiam na abstinência e "laborterapia" (trabalho forçado) como método de "cura" — começou em 2010, no âmbito do programa “Crack, é possível vencer”, do Ministério da Justiça.

Durante os governos de Michel Temer e, principalmente, de Bolsonaro, a política pública foi ampliada. Em 2020, 27 mil pessoas foram acolhidas nessas comunidades, num investimento de mais de R$ 130 milhões naquele ano.

A gestão Lula, apesar de discursos contrários ao modelo de tratamento e de revogações, em especial do Ministério da Saúde, demorou mais de um ano para retirar o financiamento público das comunidades terapêuticas.

Em janeiro do ano passado, após extinguir a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministério da Cidadania, o governo Lula criou o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas — cujo nome foi alterado para Departamento de Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas (Depad) em maio —, vinculado ao MDS, com o objetivo de “redução da demanda de drogas” e uma verba orçamentária de R$ 273 milhões.

O MDS publicou, sete meses depois, uma portaria em que previa, como uma das metas, a ampliação do número de acolhimentos em Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas contratadas pelo Governo Federal até 2026.

O fomento ao acolhimento também está previsto no Plano Plurianual (PPA), entregue por Lula em agosto, explicitando o embate político dentro do governo entre setores que defendem o investimento nos equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), e outros que abraçam o modelo das comunidades terapêuticas, cujo lobby está ligado principalmente à bancada evangélica no Congresso Nacional.

Presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), a psiquiatra Ana Paula Guljor ressalta que a criação do departamento resultou em questionamentos de entidades de saúde. Em janeiro do ano passado, o Conselho Nacional de Saúde recomendou a revogação da estrutura e pediu a reestruturação do financiamento das Redes de Atenção Psicossocial.

— O governo revogou o nome do departamento, mas manteve a estrutura questionada pelos especialistas. Percebemos que a gestão federal vem ignorando reiteradamente a posição dos Conselhos Nacionais que representam o controle social e discutem a política de saúde pública — afirma Guljor.

O MDS foi procurado pelo GLOBO, mas não respondeu aos questionamentos até a publicação da reportagem.

Inspeção nacional identificou crimes e violações

A ausência de eficácia do tratamento e as violações de direitos no modelo de CTs foram atestadas por vistorias realizadas pelo Ministério Público Federal (MPF), Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 28 unidades, em 2017.

Entre os problemas encontrados nas entidades espalhadas por 11 estados e Distrito Federal estavam internações forçadas e indocumentadas, instalações precárias, péssimas condições de higiene, suspeita de trabalhos forçados, intolerância religiosa, homofobia e até indícios de sequestro e cárcere privado com a anuência da família.

As inspeções revelaram um "contingente de usuários de drogas enviados a comunidades terapêuticas por determinação judicial" num tratamento que poderia ser considerado tortura, destacou o relatório, devido aos castigos físicos, trabalho forçado, supressão de sono e alimentação e a privação da liberdade.

Além disso, a força tarefa encontrou novos "perfis" de internos, como idosos e pessoas com transtornos mentais diversos. Após a inspeção, houve algumas ações pontuais, como abertura de inquéritos em âmbitos estaduais, mas não houve ações sistêmicas.


Fonte: O GLOBO

da redação FM Alô Rondônia
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