As águas quentes do Atlântico favorecem a reprodução desses animais marinhos, que também se aproveitam do aumento de matéria orgânica no mar com que se alimentam, da falta de vento e da diminuição de predadores natural, especialmente as tartarugas.
Durante o verão, o Atlântico Sul esteve até 5ºC acima da média histórica. No litoral cearense, a temperatura está 2,5ºC acima da média histórica desde janeiro, segundo medições da professora de Oceanografia Física e Clima da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Regina Rodrigues, através do NOAA, sistema que combina informações de satélites, navios e boias oceanográficas.
Oceanógrafo do Labomar, da Universidade Federal do Ceará (UFC), Marcelo Soares registra o surto de águas-vivas nas praias desde a semana passada em fotos e vídeos.
— Desde que comecei a estudar o tema, em 2005, é a maior ocorrência que já vi no Ceará — disse Soares, ressaltando que falta um acompanhamento sistemático da presença de águas-vivas no estado que permita identificar variações estatísticas.
Os cardumes de água-viva, chamados de bloom, da espécie Chrysaora lactea foram percebidos principalmente nas praias do Macuípe e Iracema, em Fortaleza, além das praias do Pecém, Taíba e Paracuru. Soares diz que na semana passada a temperatura do mar em Fortaleza chegou a 30ºC, quando normalmente oscila entre 26ºC e 29ºC. O oceanógrafo aponta que esse é o principal fator a explicar o bloom.
— A proliferação da água-viva causa uma série de desequilíbrios para o ecossistema. Muitas espécies são devoradoras de pequenos crustáceos, larvas de peixe e de peixes jovens. Isso pode modificar outras populações de animais. Além disso, ela atrapalha a produção pesqueira, pois entope as redes de pesca — explica Soares.
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Riscos à saúde — Foto: Editoria de Arte'Contrações'
Antes do desequilíbrio ambiental, o primeiro impacto é a lesão de banhistas e esportistas. No domingo, o personal trainer e surfista amador Alexandre Mello parou na emergência de uma UPA por causa das queimaduras. No início de uma etapa do Circuito Brasileiro Master de Body Board, na praia do Morro do Chapéu, em Taíba, no município de São Gonçalo do Amarante (CE), uma de suas pernas entrou em contato com diversas águas-vivas e Mello começou a passar mal.
— Saí da água sentindo contrações na barriga e no peito. Na areia, comecei a sentir muita dor. Fomos de carro à UPA e no caminho tive uma crise de espirro, mas depois não conseguia mais puxar o ar, e a garganta começou a coçar. Quando cheguei, estava sem fôlego. O médico me deu injeção de adrenalina e outras medicações. Mas eu não respondia, e eles já estavam preparando para me entubar. Na última injeção de adrenalina, reagi — narra Mello, que depois ficou ainda seis horas em observação.
O personal trainer conta que houve diversos atendimentos no campeonato:
— Foi o primeiro contato que tive diretamente com água-viva. Já vi caravela, mas não assim nessa quantidade e dessa forma. Claro que há desequilíbrio, e a água deve estar bem mais quente.
A Secretaria da Saúde do Ceará informou que monitora os casos de queimadura por água-viva e que está em contato permanente com o Labomar.
No Rio Grande do Sul, de dezembro a março, o Corpo de Bombeiros atendeu 90 mil casos de lesões por água-viva nas praias. O número é 13% maior do que o do período no verão retrasado, e 685% a mais do que o registrado na estação entre de 2022 a 2023. Em Santa Catarina, do início do verão até o fim de janeiro, foram 16,6 mil ocorrências registradas. No Balneário Camboriú, a principal praia catarinense, a falta de ventos também contribuiu para o grande volume de águas-vivas.
Oceanógrafo da Universidade do Vale do Itajaí-SC (Univali), Jules Soto reconhece que as proliferações dependem de correntes marinhas quentes, mas alerta que ainda não há dados suficientes para comprovar um aumento global de população por causa do aquecimento global.
— Ainda não há como inferir aumento ou diminuição de casos ou associação com aumento de temperatura oceânica. Precisamos de uma amostragem de pelo menos 30 anos para ter confiabilidade — explica Soto, que lembra que o maior caso de surto já registrado no mundo foi na Austrália, nos anos 1950, muito antes dos estudos sobre aquecimento global.
A oceanógrafa Regina Rodrigues começou uma pesquisa sobre o fenômeno e, a partir de um levantamento de casos desde 2019 no litoral catarinense, afirma que as aparições sempre ocorrem em períodos de onda de calor.
— Dá para ver essa correlação — afirma Regina, que destaca o recorde de calor no último verão. — O oceano aprisiona 90% do calor, o que aumenta a temperatura dos mares. Nesse verão tivemos uma combinação das mudanças climáticas com um forte El Niño. Por isso explodiu a temperatura no Atântico.
Fonte: O GLOBO
da redação FM Alô Rondônia